1 - Pablo Henrique Paschoal Capucho UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (UFPR) - Curitiba
2 - Beatriz Lima Zanoni UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (UFPR) - Centro de Estudos Sociais Aplicados
Reumo
O presente ensaio defende que a desconstrução da humanidade do indivíduo, ou seja, a desumanização é um fenômeno propenso a acontecer no contexto do serviço público. Apesar de estudos clássicos focarem em contextos extremos, como genocídios, pesquisas recentes argumentam que a desumanização pode ocorrer em situações cotidianas e em diferentes intensidades (HASLAM, 2006; HASLAM; LOUGHNAN, 2014).
A desumanização vai além de uma maneira de se relacionar com o outro. Ela acarreta consequências para os desumanizados, como despertar os sentimentos de tristeza, vergonha, culpa ou raiva, além de ser potencialmente prejudicial à saúde (BASTIAN; HASLAM, 2011; HASLAM; LOUGHNAN, 2014). Considerando este fenômeno, e o contexto brasileiro do serviço público, o presente trabalho apresenta um ensaio teórico sobre o serviço público enquanto um ambiente propício para a desumanização dos funcionários públicos.
A desumanização ocorre a partir de negação de características essenciais para identificar o outro enquanto humano: características que separam o ser humano de outros animais, ou seja, unicamente humano (Uniquely Human ou UH); e características típicas, centrais ou normativas para um humano que o diferenciam de objetos, as quais formam a natureza humana (Human Nature ou HN). Nestes, o primeiro caso refere-se a desumanização animalesca, enquanto o segundo refere-se a desumanização mecanicista ou autômata (HASLAM, 2006; HASLAM; STRATEMEYER, 2016).
O funcionário pode ter sua humanidade negada durante o processo de cobrança de melhora no serviço público, tanto por parte dos gestores públicos, quanto por parte dos cidadãos, que, por serem pagadores de imposto, se veem no direito de ter as suas demandas atendidas pelo órgão público a qualquer custo, sem dar a devida importância para as consequências de suas ações no que diz respeito a saúde do funcionário público. Essas pressões podem trazer implicações negativas para o funcionário e para o funcionamento do órgão público na sua busca pela eficiência.
O Código Penal Brasileiro de 1940, Título XI (dos crimes contra a administração pública), Capítulo II (dos crimes praticados por particular contra a administração em geral), traz penalidades legais para o caso de desacato ao funcionário público por parte de cidadãos. No entanto, o código não traz informações sobre a presença de relações de poder nas relações dentro do órgão público. A desumanização pode partir não somente de pessoas externas a organização, mas também pode surgir de diferenças hierárquicas nas organizações.
HASLAM, N. Dehumanization: An Integrative Review. Personality and Social Psychology Review, v. 10, n. 3, p. 252-264, 2006.
FILGUEIRAS, F. Indo além do gerencial: a agenda da governança democrática e a mudança silenciada no Brasil. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 52, n. 1, p. 71-88, 2018.
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