1 - Felipe Gerhard UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE) - Programa de Pós-Graduação em Administração
2 - Veronica Peñaloza UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE) - CESA
3 - Ana Augusta Ferreira de Freitas UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE) - .Centro de Estudos Sociais Aplicados
Reumo
Conceituados como uma conjunção de compradores e vendedores que definem livremente os preços pelos bens comercializados, os mercados têm sido considerados como instituições naturais e imutáveis. Aliada à sua importância contemporânea, essa concepção ajudou a consolidar as relações de mercado como a única relação social ideal-típica, alçando o utilitarismo ao patamar de paradigma social hegemônico. Contudo, essa perspectiva é questionada pelo antiutilitarismo que, o qual amplia a compreensão das relações sociais ao demonstrar a importância dos elementos simbólicos em sua constituição.
Estudos identificaram outras relações sociais ideais-típicas além daquelas baseadas em relações de mercado, e.g. autoridade, reciprocidade e compartilhamento. Em comum, todas prescindem dos mecanismos de precificação para sua formação. Com efeito, esta pesquisa tem como objetivo analisar, por meio de uma perspectiva antiutilitarista, o processo de formação e manutenção das relações mercantis e não mercantis nas experiências de consumo. Visa, ademais, identificar os elementos subjetivos, materiais e sociais presentes nessa formação e as interconexões entre formas elementares de relação social.
As relações de mercado podem ser entendidas como o resultado de três tipos de práticas interligadas: normalizadoras, representacionais e de troca. Elas representam aspectos como formalização contratual, conduta autointeressada e precificação. Apesar da ubiquidade das relações mercadológicas, outras formas de relação elementares coexistem, tais como o compartilhamento, a autoridade hierárquica e a equidade, as quais podem ser combinadas aos mercados na criação de contextos híbridos. O antiutilitarismo reconhece a possibilidade dessas relações, analisando-as por meio de uma abordagem simbólica.
Uma pesquisa qualitativa foi realizada utilizando-se como base os preceitos metodológicos da etnografia multissituada, composta, principalmente, pelas técnicas de observação sistemática, elaboração de notas de campo e entrevistas informais. Os procedimentos de observação foram realizados durante um período de cerca de sete meses em quatro cidades distintas – duas no Canadá e duas no Brasil. O conjunto de dados coletados na pesquisa compreendeu 92 páginas em espaçamento simples, incluindo fotografias, transcrições de mensagens de texto via WhatsApp, comunicações via email e conversas orais.
Como principal aspecto identificado em campo destaca-se a inter-relação entre operadores simbólicos e utilitários nas experiências de mercado híbridas. Além dos operadores utilitários, o que parecia estar invariavelmente presente em todos os contextos de mercado era a influência, muitas vezes sutil, de operadores simbólicos. Em ambos os casos, foi indispensável a existência de um elemento sociomaterial para a sua ocorrência. Analisando-se as dimensões simbólica, utilitária e sociomaterial, vis a vis as idiossincrasias das experiências em campo, uma matriz de modelos de mercado foi construída.
Os mercados são entendidos como uma atividade livre de relações simbólicas, na qual as ações dos sujeitos são reguladas por um sistema normativo estabelecido por regras e papéis previamente estabelecidos. Contudo, formas dissidentes de construção de laços sociais podem surgir, inclusive dentro dos próprios mercados. Isso porque estamos menos preparados para agir integralmente como agentes de mercado do que simplesmente alcançar objetivos esporádicos por meio dele. Essa perspectiva rompe com a imanência utilitária e abre espaço para o surgimento de relações simbólicas não instrumentais.
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