Resumo

A democracia na gestão escolar foi introduzida na Constituição Federal de 1988 e corroborada na Lei 9.394/96 (LDB). Porém, entre o princípio legal e a concretude da escola pública, a gestão democrática pode se dar de diferentes formas, em virtude de contextos que ora a facilitam, ora a constrangem (PARO, 2016). Essa pesquisa com diretores de escolas públicas assume o pressuposto fenomenográfico de que um fenômeno pode ser experienciado de diferentes maneiras pelas pessoas (AMARO, 2020) e busca suprir a carência de estudos empíricos sobre gestão escolar (OLIVEIRA; VASQUES-MENEZES, 2018).

Como as diferentes concepções de gestão escolar democrática impactam as práticas de gestão dos diretores de escolas públicas? O objetivo do estudo é analisar, à luz da fenomenografia, as diferentes concepções de gestão escolar democrática e suas implicações nas práticas de gestão dos diretores de escolas públicas de ensino fundamental do município da Serra/ES.

Poubel e Junquilho (2019) ressaltam a prevalência da natureza prescritiva na literatura de gestão escolar. Maior ênfase tem sido dada às questões técnicas em detrimento da dimensão política (PARO, 2010). Essa forma de conceber a gestão (management) tem sido criticada por diversos autores que advogam a ontologia do vir a ser (CUNLIFFE, 2014), em que a gestão tomada como um processo dinâmico, inacabado, coletivo e emergente. Isso significa dizer que os diretores transformam a escola e são transformados enquanto se relacionam com os demais membros da comunidade escolar (WATSON, 2005).

Este é um estudo fenomenográfico, abordagem qualitativa de pesquisa cujo objetivo principal é mapear as diferentes formas que determinados fenômenos podem ser experienciados pelas pessoas (BOWDEN, 2005). Escolheu-se como campo escolas municipais de ensino fundamental do município da Serra/ES. Foram realizadas entrevistas em profundidade com um grupo heterogêneo (SANDBERG, 2000) de 19 diretores. O processo de análise dos dados seguiu o protocolo sugerido por Amaro e Brunstein (2020): familiarização, compilação, condensação, agrupamento preliminar, comparação preliminar e nomeação das categorias

A partir da análise dos dados foram identificadas três concepções de gestão escolar democrática: (1) Cumprimento de papeis; (2) Insumo para a tomada de decisão; (3) Atendimento das necessidades da comunidade. As concepções geram formas distintas de gestão, bem como diferentes formas de participação da comunidade escolar. Na concepção (1), a participação é um dever dos membros da comunidade que ocupam vagas nos diferentes conselhos. Na (2), a participação é incentivada para gerar informações para o processo decisório. Na (3), o foco é atender à comunidade para fazê-la se sentir parte da escola.

À semelhança dos estudos sobre implementação de políticas públicas (BONELLI et al., 2019), esta pesquisa mostra que os burocratas de nível de rua (diretores) ressignificam e reinventam o princípio da democracia na gestão escolar. É preciso reconhecer também que as concepções de gestão democrática, embora impactem de diferentes maneiras as práticas dos diretores, são histórica e socialmente situadas. As ações destes ocorrem dentro de um sistema de determinações legais provenientes das secretarias e órgãos superiores que escapam ao controle dos diretores.

BOWDEN, J. The nature of phenomenographic research. In: BOWDEN, J. A.; WALSH, E. Phenomenography. Melbourne: RMIT University Press, 2000. LÜCK, H. A gestão participativa na escola. 11ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013. OLIVEIRA, I. C.; VASQUES-MENEZES, I. Revisão da literatura: o conceito de gestão escolar. Cadernos de Pesquisa, v. 48, n.169, p. 876-900, jul./set. 2018. POUBEL, L.; JUNQUILHO, G. S. Para além do management: o processo de managing em uma escola pública de ensino fundamental no Brasil. Cadernos Ebape, v. 17, n. 3, p. 539-551, jul./set. 2019.