Resumo

É na conjunção entre as discussões sobre as cidades e a abordagem da história no contexto dos estudos organizacionais (EOR) que esse trabalho repousa. São escassos os estudos no contexto dos EOR e da administração que tiveram como foco as articulações do tema da cidade a partir da abordagem da história, sobretudo, quando problematizado com base em instituições de saúde hospitalar. Essa questão nos levou a olhar para a trajetória histórica do primeiro hospital de Fortaleza na sua relação com o organizar da cidade no período da belle époque: a Santa Casa da Misericórdia.

Este artigo teve como objetivo compreender a trama histórica do primeiro hospital de Fortaleza na sua relação com o organizar da cidade. Tendo como contexto histórico a Belle Époque, a questão de pesquisa foi “como se deu a trajetória histórica do primeiro hospital de Fortaleza na sua relação com o organizar da cidade?”.

Dois tópicos teóricos se relacionam nesse estudo: a abordagem histórica e as discussões sobre a cidade. A relação entre história e administração é observada a partir de um marco teórico crítico por mais história na gestão (CLARK; ROWLINSON, 2004), em que os autores discutiram o tratamento da história rumo a uma “virada histórica” nos EOR. O tema da cidade como objeto nos EOR já foi problematizado em diversos trabalhos na área. Nesse caso, a cidade estabelece um espaço singular percebido simbolicamente, em que diferentes grupos significam suas experiências de maneira distinta (SARAIVA, 2019).

Em função da natureza do objetivo, realizou-se uma pesquisa de cunho qualitativo (VERGARA, 2013), com inspirações históricas (APPIO, et al., 2017), tendo sido constituído uma coleção documental de arquivos (CARTER, 2006). A coleção foi composta por jornais de tempos idos, fotografias, relatórios, imagens, documentários e reportagens que foram coletados e organizados a partir de diferentes acervos consultados. A análise seguiu os procedimentos de comparações, ligações, contextualizações e descrições densas baseadas em "pistas documentais" e conduzidas por grupos temáticos (CELLARD, 2008).

Pautados entre caridade, religião e prática médica, a análise histórica iluminou alguns aspectos sobre o contexto de criação do primeiro hospital da cidade de Fortaleza, a Santa Casa da Misericórdia, nos idos de 1861. O entrelaçamento histórico nos direcionou para o contexto de criação do Asilo São Vicente de Paulo, o Hospital Psiquiátrico da cidade, por meio da problemática da loucura e do confinamento dos corpos. Nesse processo, criou-se uma representação gráfica que articula os principais aspectos identificados a partir da trama histórica do hospital influenciando o organizar da cidade.

O percurso histórico envolveu distintas dimensões sociais, culturais, urbanas e políticas que, historicamente, acabaram por moldar e influenciar diferentes processos relacionados ao organizar da cidade de Fortaleza. Problematiza-se que não é dos dias atuais que a saúde e a ciência biológica a partir de suas perspectivas positivistas têm apresentado um discurso de “cuidado” comprometido com os ideais da emancipação e avanço do conhecimento, mas que foi empregado como símbolo de exclusão, disciplinarização urbana e confinamento de corpos.

CLARK, P.; ROWLINSON, M. The Treatment of History in Organization Studies: Towards an ‘Historic Turn’? Business History, 46(3), 2004. MAC-ALLISTER, M. A cidade no campo dos estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 11, edição especial, p. 171-181, 2004. PONTE, S. R. Fortaleza Belle Époque: reformas urbanas e controle social. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2004. OLIVEIRA, C F. A Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza e o Asilo São Vicente de Paula: a problemática da loucura no Ceará. Escritos sobre a Saúde, Doenças e Sociedade. Recife: Universitária UFPE, 2010.