Resumo

As carreiras de mulheres são entrelaçadas aos desafios inerentes ao gênero relacionados a questões socioculturais, vinculadas à atribuições de papéis voltados ao cuidado doméstico, políticas e práticas organizacionais que privilegiam carreiras de homens, e, até mesmo, barreiras biológicas atreladas à expectativa de maternidade. A área financeira, em especial, é um setor ocupacional estruturalmente marcado por desigualdades de gênero, refletidas em diferenças salariais entre homens e mulheres, e falta de representatividade de mulheres em cargos de liderança.

Embora haja avanços na legislação e iniciativas voltadas à equidade de gênero no mercado de trabalho, dados sobre a realidade global e brasileira refletem a necessidade de estudos que revelem e explorem as barreiras invisíveis associadas a essas questões. Diante desse cenário, este artigo objetiva analisar as carreiras de mulheres que almejam posições de destaque em organizações do setor financeiro, a fim de compreender como elas vivenciam os desafios intrínsecos ao gênero, à luz da perspectiva da sustentabilidade das carreiras.

Este estudo se fundamenta em pesquisas sobre gênero e mercado de trabalho, e adota o conceito de carreira sustentável (De Vos et al., 2020). A perspectiva da sustentabilidade permite acessar os contextos envolvidos nas carreiras de mulheres na área financeira, lançando luzes às barreiras de gêneros que impõem desafios para a construção e continuidade das trajetórias dessas profissionais.

Foi realizada uma pesquisa qualitativa exploratória com 19 mulheres brasileiras que trabalham na área financeira e almejam posições de liderança. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas a partir de reuniões virtuais. Os dados foram transcritos a partir dos seis passos de análise temática proposto por Braun e Clark (2006): familiarização com os dados, geração de códigos iniciais, busca por temas, revisão das temáticas, denominação dos temas, e produção do artigo com a interlocução teórica.

São identificados os seguintes desafios relacionados a gênero: dificuldade de credibilidade, como necessidade de trabalhar arduamente para a aprovação de colegas homens; autocobrança, sentimento de inferioridade e consequente dedicação intensa à carreira para superação; conciliação de papéis envolvendo o dilema vida versus carreira; penalidade pela maternidade, em que se discorre sobre adiar (ou até evitar) a gravidez em prol da carreira; e comparação com homens, referente às atitudes e papéis “esperados” dentro da divisão sexual do trabalho.

As organizações são um espaço de reprodução do contexto estrutural de desigualdades de gênero da realidade brasileira. O processo de enfrentamento dessas condições resulta em dilemas que fomentam o contexto de insustentabilidade, ilustrado, por exemplo, na preocupação com a penalidade pela maternidade, no desgaste psicológico com a intensa dedicação ao trabalho, e conformidade com comportamentos que seriam aceitáveis aos homens. As mulheres empreendem processos de adaptabilidade e conformidade com o contexto, gerando sempre uma vigilância sobre como são interpretadas pelos homens e pelo grupo.

De Vos, A., Van der Heijden, B. I. J. M., & Akkermans, J. (2020). Sustainable careers: Towards a conceptual model. Journal of Vocational Behavior, 117(March 2020), 103196. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.011 Braun, V. & Clarke, V. (2012). Thematic analysis. In H. Cooper, P. M. Camic, D. L. Long, A. T. Panter, D. Rindskopf, & K. J. Sher (Eds), APA handbook of research methods in psychology, Vol. 2: Research designs: Quantitative, qualitative, neuropsychological, and biological (pp. 57-71). Washington, DC: American Psychological Association.