Resumo

Os campos de estudos da Administração e Empreendedorismo são cúmplices de um sistema neocolonial de ensino, que impõem ideologias fundamentadas no neoliberalismo. Existe uma diversidade de agentes explorando a temática do empreendedorismo fundamentada no modelo euro-estadunidense, entregando uma visão deturpada do “sucesso”, o tratando como meramente aumentar o poder de consumo, reproduzindo uma literatura sensacionalista, que tenta seduzir o leitor afirmando ser possível alcançar o “sucesso” ao cumprir determinados passos, uma ideia ilusória de que “sucesso” é uma ciência exata.

O problema de pesquisa que norteia o presente trabalho é: Quais críticas e metáforas sobre o empreendedorismo podem ser extraídas da análise do filme “O Auto da Compadecida”? Esta é uma pesquisa de natureza crítica, fundamentada em intenções decoloniais. O objetivo geral é criar e analisar possíveis metáforas do empreendedorismo presentes no Auto da Compadecida, contrapondo-as criticamente com a literatura mainstream do empreendedorismo.

O conhecimento produzido sobre empreendedorismo, no Brasil, é moldado e padronizado para que seja complacente com o cenário dos países capitalistas no cenário mundial, sendo descompromissados com as particularidades brasileiras (FERRAZ, 2021). O modo como o empreendedorismo é naturalizado como o único caminho possível para a mobilidade social, desenvolvimento econômico, além da falta de criticidade por parte da mídia e alguns pesquisadores causam uma preocupação no que tange ao caminho percorrido para o estudo e prática empreendedora (FERRAZ, 2021).

Para cumprir os objetivos de pesquisa, faremos uso da análise fílmica como recurso metodológico. Embora a análise fílmica seja utilizada de modo ainda embrionário na Administração, são discutidos temas como gênero e prostituição, assédio moral e sofrimento no trabalho, o mundo do trabalho etc. (SOUSA, 2005; ESTANISLAU; et al., 2012; MACHADO; IPIRANGA; MATOS, 2013; PANIZA; NETO, 2016). O método é rico em potencial de discussão, possibilitando uma aproximação entre a Administração e Arte.

Apresentamos, neste trabalho, um arquétipo diferente do que seria o “empreender” em condições de extrema pobreza. O perfil brasileiro é direcionado à falsa criação de valor; à ressignificação do valor existente; ao apelo à venda; ao relacionamento pessoalizado; ao recurso à autoridade patrimonial ou tradicional; à falta de planejamento e o improviso como solução à escassez de recursos; à propensão a promover à concessão de vantagens pessoais; à baixa suscetibilidade ao risco; à submissão ao capitalista maior; e à valorização exagerada de si mesmo.

Através da análise crítica proposta neste trabalho, é esperada a criação de um novo conhecimento direcionado à identidade cultural, caminhando em busca de um paradigma que visa reinterpretar o empreendedorismo na realidade brasileira. A partir disso, foi possível resgatar críticas a modelos importados, reputados incoerentes com o ambiente brasileiro, contrapondo movimentos como pop-management e a cultura do self-made aos trambiques e improvisos realizados por João Grilo e Chicó.

FERRAZ, Janaynna D. M. Não são gigantes, são moinhos de vento: as desventuras dos/as empreendedores/as em terra brasilis. Caderno De Administração, n. 28, p. 76-81, 2020. FERRAZ, Janaynna D. M. Para Além da Prática Empreendedora no Capitalismo Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Almedina, 2021. ISBN 9786587019109. FERRAZ, Janaynna D. M.; FERRAZ, Deise L. D. S. Do espírito do capitalismo ao espírito empreendedor: a consolidação das ideias acerca da prática empreendedora numa abordagem histórico-materialista. Cadernos EBAPE. BR, v. 20, p. 105-117, 2022.