Resumo

A socialização profissional é um processo importante na formação de indivíduos em uma nova profissão e é orientada por fatores externos que influenciam o ambiente de trabalho (ZEICHNER; GORE, 1990). Diante disso, a definição de gênero é um elemento constitutivo das relações sociais, baseada em diferenças concebidas entre os sexos (SCOTT, 1986). A percepção de Hooks (2014) sobre a dominação masculina se aplica também na profissão contábil, historicamente considerada uma profissão majoritariamente masculina. Nesse contexto, a influência do gênero na socialização profissional ganha mais destaque.

Embora o número de mulheres nos cursos superiores de contabilidade seja superior ao número de homens (INEP, 2018), a presença de mulheres na profissão contábil ainda é inferior, evidenciando a existência de uma lacuna de socialização nessa área (CFC, 2023). Logo, a compreensão do processo de socialização profissional de mulheres na contabilidade é importante para identificar possíveis desigualdades enfrentadas pelo gênero na vivência profissional. Assim, a pesquisa teve como objetivo investigar o processo de socialização profissional das contadoras no Estado do Piauí.

Hughes (1958) conceitua socialização profissional como um processo contínuo que começa na infância, quando as crianças imaginam o que gostariam de ser quando adultas, elas escolhem e se preparam para a profissão, se adaptando aos requisitos e políticas formais e informais da ocupação e, com o tempo, a identidade delas se funde em grande parte com a profissão, que passa a definir quem são. Com base no estudo de Hughes (1958), Dubar (2005) nomeou as três fases desse processo como “passagem através do espelho”, “instalação da dualidade” e “ajuste da concepção de si”, que norteou esta pesquisa.

Trata-se de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa, em que foram entrevistadas sete mulheres contadoras, utilizando um roteiro semiestruturado de entrevista. Os dados coletados foram analisados por meio da técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011). A pesquisa utilizou a técnica de amostragem não probabilística por acessibilidade para selecionar as participantes. As categorias de análise foram delineadas com base no estudo de Hughes (1958) e Dubar (2005), que tratam sobre o processo de socialização profissional.

De modo geral, os resultados indicam que entrevistadas demonstraram ter interesse pela carreira desde jovens; a inserção na profissão foi influenciada por contatos sociais e parcerias com colegas de profissão; e a maioria afirmou ter boas relações com colegas homens, mas enfrentou preferência de clientes por atendimento masculino. Além disso, as participantes destacaram como dificuldades a desvalorização da profissão contábil e algumas declararam ter sofrido assédio em função do gênero.

Conclui-se que as contadoras entrevistadas passaram pelas fases de socialização profissional: passagem através do espelho, instalação da dualidade e ajuste da concepção em si. Além disso, apesar dos desafios encontrados no processo de socialização profissional, as contadoras apresentaram visão positiva da profissão e vislumbram possibilidades de crescimento na carreira. De modo geral, a pesquisa evidencia a persistência de estereótipos de gênero na contabilidade, destacando a importância da socialização profissional para a compreensão das trajetórias das mulheres na profissão.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005. HUGHES, E. Men and their work. New York: Free Press of Glencoe, 1958. HOOKS, B. Feminist theory from margin to center. Routledge, 2014. SANTOS, I. C. O. et al. Socialização profissional sob a ótica de cirurgiãs: desafios e realização na carreira profissional. Rev. Adm. Cont., v. 25, v. 4, e-180303, 2021. SCOTT, J. Gender: A useful category of historical analysis. American Historical Review, v. 91, p. 1053- 1075, 1986.