Resumo

O Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) foi criado em 2001 com o objetivo de conceder financiamento a estudantes matriculados em cursos superiores de instituições não gratuitas. Ao longo dos anos, o programa passou por mudanças e ganhou destaque, porém, uma das consequências foi a criação de uma geração de beneficiários endividada. A alta inadimplência no FIES, assim como outras falhas dentro do programa, foram atribuídas aos beneficiários pelo Diagnóstico FIES. Entretanto, esses apontamentos carecem de fundamentação empírica.

Analisar as falhas elencadas pelo Diagnóstico FIES incorporando os beneficiários do programa. Analiticamente, elencamos as falhas do programa apontadas pelo Diagnóstico FIES como justificativas para a alta inadimplência e, a partir delas, buscamos analisar se a realidade vivenciada e descrita pelos beneficiários confirma essas falhas e as suas justificativas apresentadas no diagnóstico desnudando a ideologia neoliberal de responsabilização dos beneficiários quantos aos problemas do programa.

A pesquisa se baseia na abordagem crítica de Dardot e Laval que questiona a narrativa neoliberal para contrapor a responsabilização individual dos beneficiários do FIES. Consideramos que o discurso que culpabiliza esses beneficiários simplifica a discussão e ignora os fatores sociais, políticos e econômicos envolvidos. A análise do discurso francesa, inspirada em Bakhtin, é empregada para explorar os significados e compreendidos presentes nas falas dos beneficiários, revelando, dessa forma, a percepção que os beneficiários possuem em relação ao FIES.

Este estudo adota uma abordagem qualitativa. Foram realizadas entrevistas com 7 profissionais beneficiários do FIES, utilizando um roteiro semiestruturado. A técnica de bola de neve foi empregada para selecionar participantes adicionais. Além disso, grupos e comunidades relacionadas ao FIES no Facebook foram monitorados, assim, publicações e comentários foram adicionados à análise. Os dados coletados foram analisados utilizando a análise do discurso francesa enquanto ferramenta metodológica, focalizando nos silenciamentos, personagens discursivos, ditos e não ditos, e escolha lexical.

A análise dos discursos dos beneficiários contrapôs: a ausência de conhecimento por parte dos beneficiários em relação à natureza do programa, a seleção displicente de qualquer aluno, e a passividade, também por parte dos beneficiários, em buscar informações sobre o contrato. Os resultados provam a inconsistência dos argumentos presentes no Diagnóstico FIES 2017. Assim, o estudo conclui que as falhas elencadas pelo governo se aproximam de uma interpretação neoliberal que não considera a complexidade dos elementos envolvidos em uma política pública como o FIES.

A análise das falhas do FIES, incorporando a perspectiva dos beneficiários, questiona a responsabilização individual como explicação para a inadimplência. A pesquisa revelou que a falta de informação adequada e as condições econômicas, políticas e sociais são elementos-chave para compreender a situação do programa. Uma narrativa neoliberal simplista de culpa individual é insuficiente para explicar a complexidade dos problemas do FIES. É preciso que a administração pública adote avaliações que ultrapassem esse reducionismo.

BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006. BRASIL, Ministério da Fazenda. Diagnóstico FIES. Brasília: Ministério da Fazenda, 2017. DARDOT, P; LAVAL, C. A nova razão do mundo. São Paulo: Boitempo editorial, 2017. FARIA, A. A. M; LINHARES, P. T. F. S. O preço da passagem no discurso de uma empresa de ônibus. Analise de discursos sedução e persuasão. Belo Horizonte: Cadernos de Pesquisa NAPq-Fale-UFMG, 1993.