Resumo

No decorrer da história brasileira, o campo da cachaça perpassou por diversos períodos emblemáticos. Em meio a tantas intercorrências, a bebida seguiu um curso complexo e multifacetado de relações com a conduta institucional do Estado, que, entre períodos e conjunturas diversas, impôs adversidades ao campo, bem como, por vezes, fomentou sua produção, legalização e comércio. Assim, a bebida é atravessada, objetivo e simbolicamente, por experiências diversas de conflitos e conformidades com o Estado, imbricados principalmente por sua capacidade de coordenação social.

Em vista a heterogeneidade dos conflitos defrontados pelo setor, que se configuram como reflexos diretos e indiretos de sua relação com o Estado, torna-se pertinente entender essa problemática com ênfase em suas raízes históricas. Nesse sentido, este trabalho tem o objetivo de apresentar e discutir a história da conduta institucional do Estado no mercado da cachaça, perpassando por seus momentos de inflexões e suas repercussões na atualidade.

A pesquisa sustenta suas análises a partir do constructo teórico do institucionalismo histórico, por ser um referencial capaz de explicar como comportamentos institucionais são estabelecidos a partir de ocorrências e desencadeamentos contextuais do passado (PETERS; PIERRE; KING, 2005; STEINMO, 2008). A abordagem permite a compreensão de arranjos complexos porque esclarece configurações institucionais com ênfase em suas origens e ambiguidades no tempo e no espaço em que ocorrem , o que também permite localizar movimentos de agência sobre o fenômeno abordado (EMMENEGGER, 2021).

Considerando o panorama histórico da cachaça no Brasil, desde a chegada dos portugueses até a atualidade, é possível inferir que a conduta institucional do Estado brasileiro, amplamente, divide-se em três macro períodos, que correspondem a comportamentos institucionais diferentes: 1500 à meados de 1820; Independência ao fim da década de 1980; e de 1990 à atualidade.

As relações do setor da cachaça com o Estado, assim como os valores e propósitos do próprio campo, configuram-se por cenários não estáticos, em que disputas, interesses e conflitos estão em frequente atividade. Nesse sentido, muitas demandas ainda surtem do setor para serem negociadas com o Estado, e vice-versa. Principalmente por conta da heterogeneidade do setor da cachaça, entre formais e informais, representados e não representados por entidades, e aptos e inaptos a atender as normas regulamentares, que fomentam diferentes nichos de mercados com simbolismos e significações diversas.

EMMENEGGER, Patrick. Agency in historical institutionalism: Coalitional work in the creation, maintenance, and change of institutions. Theory and Society, v. 50, n. 4, p. 607-626, 2021. PETERS, B. G.; PIERRE, J.; KING, D. S. The politics of path dependency: Political conflict in historical institutionalism. The journal of politics, v. 67, n. 4, p. 1275-1300, 2005. STEINMO, S. Historical institutionalism. Approaches and methodologies in the social sciences: A pluralist perspective, p. 118-138, 2008.