Resumo

Em 15 de junho de 2016, o governo apresenta a proposta do Novo Regime Fiscal (NRF), cujo objetivo declarado era trabalhar a raiz do problema fiscal do Governo Federal, que estaria no crescimento acelerado da despesa pública primária, a qual, no período 2008-2015, teria crescido 51% acima da inflação, enquanto a receita teria evoluído apenas 14,5%, levando a dívida bruta do governo geral de 51,69% do PIB em 2013 para 66,52% em 2015. Essa proposta foi aprovada exatos seis meses depois, na forma da Emenda Constitucional 95, de 15 de dezembro de 2016 (EC 95/2016).

A União promulgou uma regra fiscal que impacta toda ação pública federal em um contexto de crise. Diante da lacuna de pesquisas sobre o processo de adoção do NRF e a sua relevância em termos de transversalidade na área de políticas públicas, este estudo tem o objetivo de descrever os processos de formação de agenda e de tomada de decisão com a consequente aprovação do Novo Regime Fiscal respondendo à seguinte pergunta: como a ideia de limitação de crescimento das despesas públicas federais ascendeu à agenda decisória da União e tomou a forma do Novo Regime Fiscal?

Usamos o Modelo de Múltiplos Fluxos (MMF) (KINGDON, 2014), com duas etapas de acoplamento para considerar tanto a formação de agenda quanto a tomada de decisão (HERWEG; HUSS; ZOHLNHÖFER, 2015), agregando a perspectiva do Novo Institucionalismo Histórico (NIH), para reforçar o papel das instituições (SPOHR, 2016). Denominamos este modelo de Modelo de Múltiplos Fluxos modificado (MMFm). No caso do NRF, a ambiguidade, as crises política e econômica, bem como a mudança de governo formam o solo fértil para a aplicação do MMFm visando a contribuição para área de análise de políticas públicas.

Esta pesquisa se baseia em análise de documentos do Executivo e do Legislativo, incluindo notas taquigráficas, canais oficiais do YouTube, notícias de Internet do período e entrevistas de atores relevantes, submetidos à análise de conteúdo, conforme proposto por Bardin (2004), com auxílio do software MaxQDA Plus 2022, de acordo com as categorias de análise baseadas no referencial teórico e nas proposições teóricas identificadas. A escolha do caso do NRF se deu pela relevância e pela transversalidade do tema, que impacta em inúmeras áreas de políticas públicas.

Com a aplicação do MMFm identificamos na formação de agenda, a crise econômica e a mudança de governo como fatores fundamentais para o surgimento da janela de oportunidade no primeiro acoplamento e a equipe técnica do Ministério da Fazenda como empreendedor de políticas, especialmente o Sr. Marcos Mendes. A crise política e a distribuição de poder no Congresso Nacional foram mais relevantes para a janela de oportunidade no segundo acoplamento, assim como o presidente Michel Temer foi identificado como empreendedor político da tomada de decisão, atuando diretamente na articulação política.

A separação em dois acoplamentos proposta por Herweg, Huss e Zohlnhöfer (2015) permite uma identificação clara do protagonismo dos fluxos dos problemas e das alternativas no primeiro acoplamento e dos fluxos das alternativas e político no segundo acoplamento. Ademais, a atuação dos empreendedores se dá de forma diferenciada em cada etapa e o trabalho conjunto dos empreendedores, técnicos e políticos, foi relevante para o sucesso do NRF. Os fatores internos principais de cada fluxo se alteraram em cada acoplamento. O NIH ressaltou o papel das instituições em todos os fluxos.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3a. Lisboa: Edições, v. 70, p. 223, 2004. HERWEG, N.; HUSS, C.; ZOHLNHÖFER, R. Straightening the three streams: Theorising extensions of the multiple streams framework. European Journal of Political Research, v. 54, n. 3, p. 435–449, 2015. KINGDON, J. W. Agendas, Alternatives, and Public Policies, Update Edition. 2a ed. Pearson Education Limited, 2014. SPOHR, F. Path-Departing Labour-Market Reforms in the United Kingdom and Sweden: An Analysis Combining the Multiple-Streams Framework and Historical Institutionalism. ECPR Press, 2016. p. 251–269.