Resumo

O fenômeno denominado “A Grande Resignação” trata de milhões de profissionais que tem deixado seus empregos em organizações tradicionais em busca de um novo modelo de trabalho. Essa transição de carreira é diferente do esperado na carreira profissional que, conforme definida por Chanlat (1995), é baseada na inserção dos indivíduos em grandes organizações que permitem uma evolução linear vertical e certa estabilidade. Essa visão tradicional não explica mais o cenário atual, no qual se observa um grande aumento de demissões voluntárias, indicador que dobrou no Brasil nos últimos 3 anos.

Esse artigo teve como objetivo compreender como o fenômeno da “Grande Resignação” pode estar presente no discurso de pessoas que se demitiram voluntariamente e analisar a fundamentação que os levou a tal decisão. O estudo foi realizado à luz de uma visão socioconstrutivista da carreira, uma abordagem que desafia as fundamentações das teorias de desenvolvimento da carreira que preconiza uma evolução sequencial e previsível (YOUNG; COLLIN, 2004).

A perspectiva socioconstrutivista enfatiza a necessidade da teoria sobre carreira de compreender a linguagem que as pessoas usam para interpretar a si mesmas, suas situações e narrativas (YOUNG; COLLIN, 2004). Essa abordagem nos convida a desafiar a compreensão convencional de carreira e encoraja o pesquisador a questionar as definições burocráticas e as premissas do que consideramos como uma carreira viável (COHEN; DUBERLEY; MALLON, 2004).

Essa pesquisa foi realizada a partir da análise do discurso de oito indivíduos que deixaram seus empregos nos últimos três anos e optaram por não retomar a atividade como funcionários de uma organização, definindo novo rumo para suas carreiras. A abordagem da pesquisa seguiu o método qualitativo, tendo como técnica para avaliação das entrevistas a Análise de Discurso. Essa técnica se apoia na reflexão da interpretação do discurso, buscando compreender como produz sentidos e como o sujeito dá sentido com base em sua percepção da realidade (ORLANDI, 2005).

Os principais motivadores que levaram os entrevistados à transição estão relacionados ao desejo de: i) mais flexibilidade na organização da própria agenda ii) busca por mais autonomia na escolha das atribuições e dos projetos que participará; iii) oportunidade de maior desenvolvimento profissional em áreas diversas; iv) busca por equilíbrio entre compromissos profissionais e pessoais; v) senso de propósito em relação a sua atividade; vi) maior respeito à própria individualidade e aos valores pessoais, que tendem a ser suprimidos pelos objetivos e valores da organização.

Fica evidente, com base nas oito entrevistas, que a visão tradicional de carreira, que preconiza a evolução linear em uma estrutura hierarquizada, não reflete mais o cenário atual. Resgatando o objetivo desse estudo, observa-se que o fenômeno da “Grande Resignação”, que tem levado milhões de profissionais em idade produtiva a deixarem seus empregos em organizações tradicionais, está presente no discurso dos entrevistados, sendo possível também aprofundar nas motivações que embasam esse movimento.

CHANLAT, J.-F. Quais carreiras e para qual sociedade? (I). RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 35, n. 6, p. 67–75, 1995. COHEN, L.; DUBERLEY, J.; MALLON, M. Social constructionism in the study of career: Accessing the parts that other approaches cannot reach. Journal of Vocational Behavior, v. 64, n. 3, p. 407–422, 2004. ORLANDI, E. P. Discurso e Texto: formulação e circulação dos sentidos. 2. ed. Campinas: Pontes, 2005. YOUNG, R. A.; COLLIN, A. Introduction: Constructivism and social constructionism in the career field. Journal of Vocational Behavior, v. 64, p. 373–388, 2004.