Resumo

A importância econômica e social do turismo como forma de promover a melhoria da qualidade de vida nos destinos turísticos, desafia organizações públicas e privadas de promoverem a atividade atendendo a múltiplos stakeholders. O turismo tem sido abordado a partir de diferentes áreas, pois provoca profundas transformações nos lugares, refletindo sobre a qualidade de vida dos residentes nas localidades. Nesse processo de turistificação das cidades, para atender a um modelo de competição, a centralidade do patrimônio e da cultura são subordinados a projetos de revalorização imobiliária.

Este artigo apresenta uma análise do processo de revitalização do Cais do Porto em Porto Alegre, concebido como GPU e que tem dentre seus objetivos, a revitalização para o lazer, turismo e cultura. O argumento central é de que o processo de revitalização do Cais Mauá, se pautado por uma lógica de direito à cidade, poderá conciliar o desenvolvimento de um turismo não predatório com a redução da desigualdade urbana. Chama a atenção também para a necessidade de pensar a preservação do patrimônio arquitetônico, para além da sua dimensão estética.

Na revisão teórica foram abordados os conceitos e concepções de GPU (Grandes Projetos Urbanos), apresentado como ferramenta de planejamento urbano, voltada para posicionar competitivamente cidades, mas que em geral produz efeitos perversos sobre o conjunto da sociedade. Também foram desenvolvidos os conceitos de desigualdade urbana, lógica institucional, estabelecendo as diferentes interrelações com o conceito de patrimônio histórico e cultural no âmbito do turismo.

O artigo resultou de um estudo qualitativo a partir de dados secundários e primários. Como dados secundários estão: documentos públicos, reportagens na mídia local, audiências públicas gravadas e disponibilizadas, bem como outros trabalhos acadêmicos (teses e dissertações). A análise se pautou na identificação dos argumentos contrários e favoráveis ao GPU bem como nos fatos sociais produzidos ao longo do processo, enfatizando a dinâmica estabelecida pelos atores sociais e as mudanças produzidas. Também realizaram entrevistas não estruturadas com membros dos coletivos envolvidos no processo

Verificou-se que além da ampliação do caráter desigual do patrimônio, a proposta atual para o Cais fere atributos estéticos e arquitetônicos do mesmo, ao propor construções que interferem na paisagem icônica formada pelos armazéns e usina do gasômetro, interferindo a paisagem que compõe um dos principais cartões postais da cidade. Nesse sentido, a pesquisa evidencia o vínculo do projeto a uma visão mercantil, negando ao conjunto da população o direito à cidade. O estudo evidencia uma subordinação do patrimônio cultural para promoção de um turismo de massa, voltado unicamente para o consumo.

A lógica institucional manifesta na proposta do Consórcio Revitaliza vai ao encontro de uma concepção neoliberal, ancorada na privatização e no uso PPPs para viabilizar recursos públicos para dirimir riscos de investidores privados. Tal proposta, ancorada no uso do patrimônio arquitetônico do Cais Mauá para atração de turistas, se revela contraditório ao negar a substância cultural do território e o acesso da população ao caráter substantivo do lugar. Se evidenciou a contradição entre revitalização pautada no consumo do patrimônio histórico e a produção de um turismo sustentável.

Friedland, R., Alford, R. R. (1991). ‘Bringing society back in: Symbols, practices, and institutional contradictions,’ In The New Institutionalism in Organizational Analysis, ed. Powell, W. W. & DiMaggio, P.. Chicago, IL: University of Chicago Press. p. 232–263 Scifoni, S. (2022). A natureza desigual do patrimônio cultural e outras perspectivas. In: Paes, M. T. D. & Sotratti, M. A. (orgs.). Geografia, turismo e patrimônio cultural: identidades, usos e ideologias. Annablume. Imprensa da Universidade de Coimbra. Coimbra.