Resumo

Assim como os dilemas morais representam um conflito de diferentes caminhos de ação considerados certos mas impossíveis de realizar mutualmente em determinada circunstância (DI NAPOLI, 2014), o ser humano, detentor da faculdade da razão, também pode se encontrar em tensão entre a capacidade funcional de calcular – racionalidade instrumental – e a capacidade substancial de avaliar a legitimidade das ações que pratica – racionalidade substantiva (SALM; CANDLER; VENTRISS, 2006).

Partindo da proposição de que os dilemas morais se manifestam a partir de uma tensão ética, cujo lastro teórico reside na discussão de Max Weber (2002) sobre vocação e ethos dos agentes políticos, este artigo teórico-empírico tem como objetivo analisar se os dilemas morais representam uma manifestação de tensão existencial ética, a partir da perspectiva da abordagem da racionalidade nas organizações na área da Administração Pública.

O quadro teórico-analítico é baseado na abordagem da racionalidade nas organizações e em conceitos sobre dilemas morais. A partir do debate sobre a tensão existencial – metaxy –, debateu-se como ela pode se configurar como uma tensão ética no âmbito das organizações e gestão. Após conceituar o dilema moral como situações de certo versus certo, construiu-se seu entendimento como tensão existencial ética e condição da existência humana, que continua manifestando no formato de conhecimento tácito ético, resquício emocional, sabedoria prática (phrónesis), entre outras.

A revisão sistemática sobre dilemas morais da gestão pública realizada por Santos, Serafim e Lorenzi (2018) identificou que, em situações de crises, as decisões éticas ocorrem com maior frequência e intensidade, colocando valores centrais em evidência. Sendo assim, optou-se por realizar uma pesquisa de campo de abordagem qualitativa, com entrevistas em profundidade, na área de gestão pública de riscos e desastres do estado de Santa Catarina. A unidade de observação foram os dilemas morais relacionados a desastres ambientais vivenciadas por gestores públicos do estado.

Após uma breve descrição do campo de estudo, são apresentados dilemas morais identificados na pesquisa sob a ótica da tensão existencial ética. A partir das análises, viu-se dilemas morais manifestados por meio da tensão ‘responsabilidade x convicção’ e ‘responsabilidade x responsabilidade’, mas não foi identificada tensão ética formada apenas por elementos de convicção. Os dilemas foram classificados em dois tipos: horizontais e verticais, sendo possível perceber as duas dimensões éticas neste último.

Confirmou-se a proposição em debate, porém com ressalvas. Em relação aos dilemas manifestados como ‘responsabilidade x convicção’, acredita-se que sua forma de tensão gera um dilema moral vertical, por possuir uma hierarquia ética mais evidente que auxilia no processo de deliberação, dadas as circunstâncias legais, morais e de autonomia moral para realizar a ação. Já a tensão ‘responsabilidade x responsabilidade’ manifesta dilemas morais horizontais, nos quais é mais difícil saber qual a prioridade/preferência de ação, possivelmente devido ao contexto em que ocorre.

DI NAPOLI, R. B. Dilemas Morais. In: TORRES, J. C. B. (Org.). Manual de ética: Questões de ética teórica e aplicada. Petrópolis: Vozes; Caxias do Sul: Educs; Rio de Janeiro: BNDES, 2014. SALM, J. F.; CANDLER, G. G.; VENTRISS, C. The Theory of Social Systems Delimitation and the Reconceptualization of Public Administration. Administrative Theory & Praxis, v. 28, n. 4, p. 522-539, 2006. SANTOS, L. S.; SERAFIM, M. C.; LORENZI, L. Dilemas morais na gestão pública: o estado do conhecimento sobre o tema. R. G. Secr., GESEC, v. 9, n. 1, 2018. WEBER, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2002