Resumo

O fortalecimento das economias emergentes do Sul foi acompanhado do aumento dos programas de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento entre países em desenvolvimento, particularmente no início do século XXI, nomeada Cooperação Sul Sul (CSS). Neste contexto, a expansão da Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional (Cobradi) foi acompanhada de acusações de imbricação dos seus programas com interesses econômicos, políticos e comerciais. Entretanto, identifica-se programas que transcendem tais interesses e, até mesmo, disputam as agendas de desenvolvimento hegemônicas.

Diante de um contexto de crescente pragmatismo e denúncias de conflitos de interesses em programas da Cooperação Brasileira, este artigo buscou investigar o que levou à entrada do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) na agenda da Cooperação Internacional ofertada pelo governo brasileiro ao continente africano, disputando a agenda de promoção da Segurança Alimentar e Nutricional internacional hegemônica para aquele continente.

O artigo é construído a partir do resgate histórico das relações Sul Sul e da análise de autores como Prashad(2012) e Ayllón(2017), segundo os quais o fortalecimento de economias emergentes, no início do século XXI, favoreceu a fragmentação do Sul em periferias e semiperiferias, favorecendo o predomínio de interesses particulares. Segundo tal perspectiva, a CSS intensificou-se concomitante à necessidade das potências emergentes de abrir novos mercados e de se fortalecerem nas disputas políticas do mundo multipolar.Autores como Weber(2016) tentam identificar resquícios da solidariedade Sul Sul.

O problema de pesquisa é respondido a partir da sistematização de categorias analíticas que emergiram a partir das entrevistas realizadas com os principais atores envolvidos com a criação do PAA Africa (nome que recebeu o programa para o continente africano), os quais atuam em diferentes campos (diplomatas, acadêmicos, sociedade civil organizada, FAO) . Foi realizada, também, pesquisa documental e de registros em arquivos e sites, destacando-se documentos finais dos fóruns de cooperação internacional e literaturas sobre a CSS e a Cobradi, referenciados ao longo do artigo.

As evidências encontradas demonstraram que as circunstâncias necessárias para a criação do PAA Africa, programa de CSS de bases mais solidárias, foram:uma geopolítica favorável; um governo progressista no espectro político e com agenda internacional empenhada em disputar os sentidos do desenvolvimento no seio das organizações hegemônicas;a Participação da sociedade civil da definição e acompanhamento do programa;reconhecimento internacional da qualidade técnica do programa; motivação em validar internacionalmente o programa para que seja reconhecida sua importância também domesticamente.

O artigo demonstrou como a Solidariedade Sul-Sul afunilou-se, historicamente, na direção do conceito de Cooperação Sul-Sul, e como esta, nos últimos 20 anos, aproximou-se das fundamentações e práticas da Cooperação ofertada pelo Norte ou até caiu em severas contradições. Entretanto, determinados contextos geopolíticos e de governo podem propiciar que políticas públicas de relevantes resultados sociais possam ser difundidas para outros países em desenvolvimento, transcendendo os interesses econômicos e políticos que subjazem a política externa e os programas de Cooperação Internacional.

BANCO MUNDIAL e IPEA. Ponte sobre o Atlântico: Brasil e África Subsaariana – parceria sul-sul para o crescimento. Brasília: IPEA; Banco Mundial, 2011. BANDUNG. Final Communiqué of the Bandung conference , Bandung, 1955. CONSEA. 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN). Relatório Final - Carta Política, Manifesto, Proposições e Moções. Brasilia, 2015. FAO. Feeding the world. Part 3. 2011. Disponível em http://www.fao.org/docrep/018/i3107e/i3107e03.pdf. FAO. PAA Africa Programme Terminal Monitoring and Narrative Report. 2017 FAO (2017b). PAA Africa programme Midterm