Resumo

Considerada uma prática antiga, o consumo de vestuário de segunda mão vem ganhando popularidade nas últimas décadas. Apesar de não consistir em fenômeno novo, a atividade foi deixada por longa data em segundo plano no meio acadêmico. No Brasil, o fenômeno tem ganhado expressividade, principalmente com o avanço da comercialização de objetos em plataformas on-line. Nesse contexto de comercialização, vislumbra-se um cenário de práticas discursivas de ressignificação desses objetos em um mercado ainda repleto de resistência ao consumo dos mesmos, em função de tabus histórico-culturais.

O presente estudo buscou responder a seguinte questão de pesquisa: como são reconstruídos os significados das peças de vestuário de segunda mão no mercado on-line? Diante dessa questão norteadora, o objetivo do trabalho foi analisar o processo de ressignificação do vestuário de segunda mão em práticas discursivas em mercados virtuais.

Appadurai (2010) considera que os bens se diferenciam das simples coisas, pois têm um potencial social de interagir com as pessoas durante sua vida social. Baseado em Simmel, Appadurai (2010) desenvolve a reflexão do objeto enquanto mercadoria, que seria apenas uma fase mencantil na vida de alguns objetos. Nesse sentido, Kopytoff (2010) propõe uma biografia cultural das coisas, observando o processo de mercantilização e singularização e as fases da vida dos produtos que segundo o autor podem explicar tanto a interação do objeto na sociedade, assim como determinadas regras sociais.

O objeto de estudo foi apreendido sob a abordagem qualitativa de pesquisa. Para a coleta de dados foi conduzida uma pesquisa de campo em ambientes virtuais. Considerando os critérios de popularidade e ambrangência foram escohidos dois ambientes: uma loja estabelecida em um site e aplicativo próprio e um grupo de troca/vendas da rede social Facebook, denominas de loja 1 e loja 2, respectivamente. Os dados obtidos foram submetidos a Análise de Discurso Crítica, proposta por Fairclough (2001), considerando as categorias: i) Interdiscursividade; ii) Transitividade; iii) Avaliatividade.

Os resultados da pesquisa indicam que as lojas analisadas apresentam práticas discursivas com articulação contraditória, articulando a interdiscursividade entre a ordem da sustentabilidade e da moda para motivar o descarte de itens de vestuário para suprir o estoque dos brechós, atrair consumidores e ressignificar o consumo em brechós. O recurso da valoração positiva também entra em cena para anunciar os produtos. Assim epítetos avaliativos ajudam a construir uma representação positiva do mesmo e ressignificá-lo como mercadoria e distanciá-los dos tabus histórico-culturais dos brechós.

Embora a maior parte dos itens anunciados sejam usados e não apenas de segunda mão, as plataformas virtuais de comercialização investigadas buscam aproximá-los discursivamente do novo. Assim, as práticas discursivas remetem ao bom estado de conservação da peça, sugerindo a valorização do novo em detrimento do mais usado. Embora os itens dos anúncios analisados sejam majoritariamente usados, a relação nostálgica com o objeto não foi observada na presente investigação. E isso pode estar relacionado ao predomínio da divulgação e ênfase no novo observada nos ambientes pesquisados.

APPADURAI, A. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Tradução de Agatha Bacelar. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense. 2010. PINTO, M. R.; ANJOS, P. D. S.; ZAMPIER, R. L.; ÁSSIMOS, B. M. Nas teias da (re)significação: a vida social das roupas e a dinamicidade do mercado de segunda mão. XXII SEMEAD - Seminários em Administração. Anais...São Paulo: 2019. ZAMPIER, R. L.; FARIAS, R. C. P.; MELO, M. S. S. Estigma e prestígio nos discursos de promoção do consumo em brechós. Revista FSA, v. 15, n. 3, 79–103, 2018.