Resumo

Questionando a noção de “organização” como entidade estável orientada aos interesses consonantes dos stakeholders, no presente artigo, exploramos a controversa dinâmica uma startup de TI. Nossa análise visa oferecer um contraexemplo às visões mais gerencialistas que reconhecem a mudança como algo episódico dentro de uma normalidade perene. A escolha da startup de TI se deu, não só pela sua dinâmica acelerada, mas pela possibilidade de problematizar um dos maiores símbolos do sonho de acumulação de riquezas da contemporaneidade.

O presente artigo problematiza a explicação organizacional das startups de TI comumente presentes na literatura mais gerencialista e na mídia de negócios. Tem por objetivo geral investigar a dinâmica organizacional desse tipo de startup a partir das controvérsias existentes entre actantes humanos, não-humanos e organizacionais. Por dinâmica organizacional, compreendemos tanto as atividades cotidianas da organização em questão quanto as transformações mais estruturais que ocorrem longitudinalmente a médio ou longo-prazo.

Os fundamentos teóricos e epistemológicos utilizados para a análise do nosso trabalho foram baseados, sobretudo, na Teoria do Ator-Rede (abordagem relacional com forte influência da etnografia antropológica). Os conceitos de actante (categoria de ator mais ampla, não necessariamente humana), controvérsia (situação que leva os actantes a discordarem uns dos outros) e translação (comunicação material-semiótica entre dois actantes, em que cada um deles é modificado de forma relacional a partir de um conjunto de interesses próprios) norteiam todo o trabalho.

A operacionalização da pesquisa se deu a partir da análise de um corpus informacional pluralístico, constituído de entrevistas, grupos de discussão, diário de campo, dados secundários e outros documentos provenientes de uma extensa observação empírica. Utilizamos como base metodológica a cartografia de controvérsias, método aplicado da Teoria do Ator-Rede (abordagem relacional com fundamentação etnográfica) que visa explicar a dinâmica das organizações por meio de conflitos e discordâncias.

Para contemplar a diversidade de agência, dividimos os atores em três subseções: (1) actantes organizacionais; (2) actantes humanos; (3) actantes não-humanos. Procuramos explorar nessas seções os elementos mais centrais no fluxo da ação da startup investigada. Esses elementos contemplam pessoas, organizações parceiras, artefatos tecnológicos relevantes, etc. Uma subseção final foi adicionada para explorar as principais controvérsias existentes vivenciadas durante o período de observação de campo intensiva.

Por meio das controvérsias, trouxemos à tona o lado brilhante e o lado sombrio da dinâmica organizacional. A startup que garante o emprego e movimenta a economia da cidade também é a que precariza o trabalho. O líder idealista que sonha com uma tecnologia mais acessível para todos é também o que não observa a saúde mental do trabalhador. Os funcionários que jantam juntos após o jogo de futebol também são os grandes propagadores de mecanismos de bullying. Neste estudo, vemos que os limites do individual e do coletivo, do público e do privado, do amadorismo e profissionalismo são turvos.

CALLON, M. et al. Pour une sociologie des controverses technologiques. In: Sociologie de la traduction : Textes fondateurs. Paris: Presses des Mines, 2006. p. 135–157. GARFINKEL, H. Estudos de Etnometodologia. Petrópoles: Vozes, 2018. LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador - Bauru: EDUFBA - EDUSC, 2012. NIKOLOVA, N. Actor-Network Theory. International Encyclopedia of Organization, Online, 2010. VENTURINI, T. Diving in Magma: How to Explore Controversies with Actor-Network Theory. Public Understanding of Science, p. 23, 2010.