Resumo

A cadeia produtiva do tabaco é foco de tensões e contradições que, em função dos prejuízos sociais provocados pelo tabagismo, diversas ações e políticas públicas combativas foram implementadas ao longo do tempo, criando obstáculos institucionais à indústria do cigarro. Em função do declínio desse mercado, produtores do setor buscam alternativas, a exemplo do desenvolvimento de novos mercados. Sobre esse ponto, chama atenção as recentes ações promovidas pela Souza Cruz, maior produtor de cigarros do Brasil, em prol da “necessidade” de regulamentação dos cigarros eletrônicos pela ANVISA.

A regulamentação dos cigarros eletrônicos é controversa em todo o mundo, pois pode ser uma porta de entrada para os jovens consumidores, sobretudo pelo seu apelo “inovador”. Observa-se que produtores de cigarro vem construindo e distribuindo discursos em larga escala, como forma de convencimento e cooptação da sociedade, visando à ressignificação do ato de fumar. O objetivo central desse trabalho é compreender como os discursos produzidos pela Souza Cruz e distribuídos em larga escala pela grande mídia endossam os processos de naturalização do consumo de cigarros eletrônicos.

Além de produzir problemas de saúde, o cigarro eletrônico pode ser uma porta de entrada para jovens consumidores, sobretudo pelo seu apelo “inovador” (Cole, Cummins, & Zhu, 2019; Kim, Popova, Halpern-Felsher, & Ling, 2019) Esses discursos, cuidadosamente produzidos pela indústria do cigarro, e distribuídos em larga escala pela grande mídia, produzem modificações sociais e perceptuais, além de processos de ressignificação e naturalização de realidades (Gomes & Rosado, 2018), provocando acentuados efeitos sociais (Fairclough, 1992).

Este estudo comunga das bases epistemológicas da pesquisa qualitativa. Optamos pela utilização de dados secundários midiáticos, a partir de discursos produzidos pela indústria do cigarro e distribuídos por jornais e revistas de maior circulação no país. Adotamos a abordagem teórico-metodológica da Análise Crítica do Discurso (ACD) Faircloughtiana como aparato epistêmico-analítico. Como forma de nortear as análises, empregamos o framework metodológico sistematizado por Abdalla e Altaf (2018), que se baseia no modelo tridimensional de Norman Fairclough.

Com relação à análise dos resultados, encontramos três ordens do discurso, sendo a primeira, “a Souza Cruz como “Exemplo” de Inovação e Diversidade”, especialmente a partir de discursos como “(...) por isso, defendemos que a Anvisa reavalie as normas regulatórias com o que há de mais moderno no mundo (...)”. Na segunda ordem do discurso, vemos “os cigarros eletrônicos como alternativas “menos danosas” à saúde dos consumidores” e, por fim, na terceira ordem do discurso, uma crítica contundente ao “atrasado ambiente regulatório Brasileiro”.

Além dos achados, apresentados no tópico seguinte, o trabalho apresenta relevância social, vez que alerta a sociedade para a reflexões sobre as questões veladas no discurso distribuído pela mídia, contribuindo para que cidadãos (especialmente jovens) não sejam facilmente cooptados. O trabalho é relevante no âmbito de políticas públicas, na constituição (ou não) da regulamentação (ANVISA e Congresso Federal) do produto. Apresenta ainda relevância acadêmica ao fomentar um debate organizacional pouco recorrente, vez que o tema se concentra especificamente no campo da saúde.

Cole, A., Cummins, S., & Zhu, S.-H. (2019). Offers of Cigarettes and E-Cigarettes Among High School Students: A Population Study from California. International Journal of Environmental Research and Public Health, 16(7), 1143. Fairclough, N. (1992). Discourse and Social Change. Cambridge: Polity Press. Gomes, A. L., & Rosado, C. A. da E. (2018). Ideologia, poder e discurso da seca na mídia. Natal-RN: EDUFRN. Kim, M., Popova, L., Halpern-Felsher, B., & Ling, P. M. (2019). Effects of e-Cigarette Advertisements on Adolescents’ Perceptions of Cigarettes. Health Communication, 34(3), 290–297.