Resumo

Apesar da escassez de informação, pesquisas demonstram um crescimento considerável no mercado de segunda mão no mundo todo. Mediante o aumento da expressividade desse mercado, contrariando a lógica dominante do sistema de moda, torna-se relevante investigar esse universo que, embora não seja recente, ainda pode ser considerado exótico. Nesse sentido, compreender os códigos culturais inerentes ao consumo de vestuário de segunda mão se revela imperativo, pois ainda não há compreensão desse fenômeno do consumo, que contraria a lógica da descontinuidade das coisas.

O objetivo geral do trabalho é analisar as práticas socioculturais e os processos simbólicos presentes nas redes de significações relacionadas às roupas usadas no contexto de comunidades de baixa renda a partir da interação de diversos públicos como “sacoleiras”, donos de brechós, doadores de roupas, consumidores e organizadores de bazares.

Buscou-se contemplar discussões acerca de questões envolvendo a cultura material, a vida social das coisas e o consumo de vestuário de segunda mão. A proposta foi articular essas temáticas. Enquanto na temática da cultura material, o foco recaiu na discussão sobre a forma como os bens de consumo são um importante meio de nossa sociedade, na vida social das coisas, os objetos, assim como as pessoas, podem ter uma biografia. Por fim, a discussão sobre consumo de vestuário de segunda mão dedicou-se a entender a dinâmica do mercado composto por itens descartados.

A pesquisa, de caráter interpretativista e com abordagem qualitativa, lançou mão de duas técnicas de coleta de dados: entrevistas e observação. Foram conduzidas 25 entrevistas em profundidade e diversas observações em estabelecimentos de comercialização de roupas usadas em regiões carentes da cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, envolvendo brechós, bazares beneficentes, “sacoleiras”, assim como doadores de roupas e consumidores presentes nesses tipos de estabelecimentos. Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo.

Entre as categorias que emergiram da análise do corpus, duas delas foram o foco de análise nesse artigo: a relação do consumidor com as roupas de segunda mão e o mercado de roupa usada como movimento e ciclos distintos. Ambas as categorias buscaram entender a forma como a roupa parece assumir identidades diferentes ao longo do processo de consumo ao passar por ambientes sociais distintos.

Uma conclusão tem a ver com a notoriedade que os bazares, os brechós, enfim, o mercado de roupa usada ou de segunda mão veio ganhando ao longo dos últimos anos. Outra tem a ver com a ideia de que os brechós e os bazares se apresentam, neste sentido, como uma opção para um descarte menos agressivos das roupas, quando possibilitam a extensão de seu uso até o final de sua vida útil. Foi explicitado ainda que esse mercado é altamente dinâmico e sua principal característica é o movimento principalmente quando se trata do contexto de pessoas de baixa renda.

APPADURAI, A. Introdução: mercadorias e a política de valor. IN: APPADURAI, A. A vida social das coisas: As mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: EdUFF, 2008. KOPYTOFF, I. A Biografia Cultural das Coisas: A mercantilização como processo. IN: APPADURAI, A. A vida social das coisas: As mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: EdUFF, 2008. MILLER, D. Trecos, Troços e Coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2013.