Resumo

Sistemas de gestão são sistemas comunicacionais: interferem-se e se modificam. A comunicação humana é inseparável dos sistemas sociais. “Não existe por si mesma, como algo separado da vida em sociedade”. Gestão e comunicação são fenômenos orgânicos de um mesmo corpo: “dialogam” uns com os outros. Assim, não é mais possível pensar organização sem refletir sobre comunicação (KUNSCH, 2003, pág. 68-69). É um paradoxo, pois o papel da comunicação na gestão é, muitas vezes, negligenciado pelas organizações e pelos estudos científicos.

Empresas que estão implementando o sistema Toyota/lean tem transformações não apenas na gestão, mas também em seus processos de comunicação (HOSEUS; LÍKER 2009). Uma organização é um complexo sistema comunicacional. Há, então, uma transformação “silenciosa”, carente de foco, discussão e análise. O objetivo deste estudo é entender “como” a adoção do sistema Toyota/lean promove mudanças profundas nos processos de comunicação internos das organizações.

O sistema Toyota/lean configura-se como a “segunda maior evolução” em gestão. É unânime sua superioridade frente aos modelos tradicionais tayloristas/burocráticos. Tem foco no gemba, na busca por desperdícios, na resolução de problemas e agregação de valor. Promove-se distinção entre “processos” e “pessoas”. Pressupõe “liberdade comunicacional”: o conhecimento e a experiência devem ser compartilhados; não pertencem a poucos, mas à coletividade (OSONO; SHIMIZU; TAEUCHI, 2008).

Pesquisa bibliográfica sobre relações entre gestão/comunicação e gestão Toyota/lean e comunicação. Em seguida, série de entrevistas qualitativas com colaboradores de duas empresas – uma rede de clínicas médicas e uma indústria de equipamentos – que estão implementando o sistema Toyota/lean e percebem mudanças também em seus processos comunicacionais internos. Com base em proposições dos autores, foi desenvolvido um questionário de 11 perguntas sobre mudanças em processos comunicacionais das organizações. As respostas foram resumidas e analisadas com inspiração no método fenomenológico.

Todos os entrevistados de ambas as empresas relataram de forma muito similar que, com a adoção e desenvolvimento do sistema Toyota/lean, ocorreram transformações radicais nos processos comunicacionais relacionados à comunicação interpessoal, nos processos de diálogo, na resolução de problemas, na busca por consenso, com relação a "perguntar" e "ouvir", na relação entre comunicação mediada ou não mediada por tecnologia, no trabalho em equipe, nas dinâmicas das reuniões, nas relações comunicacionais com as lideranças e com relação a receber e/ou fazer críticas.

O sistema Toyota/lean provocou mudanças comunicacionais profundas. Deslocou a comunicação da esfera taylorista/burocrática para uma esfera democrática, igualitária e comunitária. Minimizou medo, culpa, agressividade. Aumentou manifestação do pensamento. Criou diálogo não censurado, focado em processos. Gerou possibilidade de consenso. Inaugurou “cultura de perguntar/ouvir”. Igualou líderes e liderados. “Impessoalizou” a crítica. Migrou de uma relação “maquinal” para uma humana. De organizações com sistemas de comunicação para organizações comunicativas (MARTÍN-BARBERO, 2014).

HOSEUS, Michael. LIKER, Jeffrey. A cultura Toyota: a alma do modelo Toyota. Porto Alegre: Bookman, 2009. KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. São Paulo: Summus, 2003. MARTÍN-BARBERO, Jesus. A comunicação na educação. São Paulo: Contexto, 2014. OSONO, Emi. SHIMIZU, Norihiko. TAKEUCHI, Hirotaka. The Contradictions That Drive Toyota's Success. Harvard Business Review 86, no. 6, June, 2008. Disponível em: . Acesso em: 4 de já. 2018.