Resumo

A perspectiva teórico-metodológica de utilização da análise da argumentação para estudo de discursos políticos, proposta por Fairclough e Fairclough (2012), é aplicada neste artigo para a identificação da estrutura argumentativa presente nas disputas relativas à exploração das águas minerais no sul de Minas de Gerais, que envolvem atores governamentais e da sociedade civil. No Brasil, as águas minerais são juridicamente consideradas minério, e não recursos hídricos, o que acirra conflitos entre os atores com preocupações ambientais e culturais e aqueles que buscam objetivos econômicos.

O principal intento aqui é verificar a contribuição da análise da argumentação para o estudo de um caso prático que envolve deliberação pública, discurso político e disputas entre a comunidade e o poder público. Ao analisar criticamente textos relativos ao debate e identificar argumentos, contra-argumentos e suas premissas, é possível sistematizar as informações que compõem a argumentação, bem como refletir sobre os pontos ausentes que poderiam enriquecer o debate, de forma a subsidiar decisões e possibilitar o aprofundamento das discussões.

A base para as reflexões são as fundamentações teóricas da Análise de Discurso Crítica (ADC). Na vertente da análise da argumentação na ADC, o foco é sobre o raciocínio prático para deliberação política, que deve buscar a resolução de disputas por meio da discussão crítica e racional - e que deve contemplar todos os argumentos possíveis, de forma a se chegar à decisão mais razoável e legítima (FAIRCLOUGH; FAIRCLOUGH, 2012). É uma perspectiva que vai ao encontro das proposições de Habermas (2012) sobre a busca do entendimento por meio da linguagem, em sua Teoria da Ação Comunicativa.

A análise deu-se sobre argumentação entre a Codemig (que detém a concessão das fontes de Caxambu e Cambuquira – MG) e a organização da sociedade civil que contestou a iniciativa de seleção de parceiro privado para exploração das águas nos dois municípios. Como corpus, utilizamos o texto de uma reportagem de televisão de 2017 e o texto de uma ação civil pública movida contra a Codemig. A sistematização da argumentação identificou as reivindicações de ação das partes, os objetivos que embasam as propostas, os valores que mobilizam os atores e as circunstâncias que justificam as ações propostas.

A sistematização dos argumentos no texto de TV mostra certa ausência de um dos atores no debate (a Codemig), o que limita a exposição de circunstâncias. No texto jurídico, o debate se expande. Em ambos, percebemos que a raiz da disputa está entre, de um lado, valores culturais, sociais e de sustentabilidade, e de outro, valores de desenvolvimento econômico e da gestão tradicional de empresas. O processo argumentativo não se mostra esgotado, uma vez que ambos os argumentos são razoáveis, mas conflitantes e sem o apontamento de premissas capazes de finalizar a discussão em favor de um deles.

A aplicação da proposta teórico-metodológica facilitou a análise das posições das partes e mostrou-se promissora para o entendimento de disputas por parte de pesquisadores, atores em debate e gestores. O estudo permitiu observar que a argumentação em curso carece de premissas que fortaleçam ambos os argumentos, para que a deliberação atenda completamente ao critério da razoabilidade. Considerando haver objetivos e valores legítimos no contra-argumento, o estudo chama atenção para a necessidade de o poder público estar aberto a considerá-los, em busca da decisão mais adequada.

ALCÂNTARA, V. C.; CORDEIRO NETO, J. R.; VALADÃO, J. A. D. Consulta pública como instrumento político: controvérsias em torno da exploração da água mineral no Circuito das Águas em Minas Gerais. Anais... XLI Encontro da ANPAD, São Paulo, ANPAD, 2017. FAIRCLOUGH, N; FAIRCLOUGH, I. Polytical Discourse Analysis: a method for advanced students. London: Routledge, 2012. FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Editora UNB, 2001. HABERMAS, J. Teoria do Agir Comunicativo: racionalidade da ação e racionalidade social. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo: Martins Fontes, 2012. v. 1.