Resumo

No contexto pós-moderno, as pesquisas qualitativas se tornaram uma prática consolidada, porém ainda mal compreendidas tanto no que se refere ao mercado, como entre parte da comunidade acadêmica. Neste cenário, verifica-se que as concepções relacionadas às pesquisas qualitativas observadas nos principais manuais de pesquisa de marketing e praticadas hodiernamente no ambiente acadêmico precisam ser revistas.

Este ensaio tem por objetivo discutir elementos epistemológicos e paradigmáticos evolvidos no processo da construção do conhecimento, para que somente então se possa avaliar o uso de pesquisas qualitativas no contexto das investigações do consumo. Para tal, toma de empréstimo o modelo de classificação dos paradigmas sociológicos proposto por Burrelll e Morgan (1979) e resgata discussões em torno do conceito de incomensurabilidade (KUHN, 1975).

A história e a filosofia da ciência mostram que não há uma única forma de obter conhecimento. Conforme aponta Hunt (1991), nem toda pesquisa positivista é quantitativa. De modo similar, pode-se afirmar que nem toda pesquisa qualitativa é interpretativa. Disto isto, fica fácil compreender porque tratar todas as pesquisas qualitativas como exploratórias representa o que, dentre outras concepções equivocadas, chamamos de miopia paradigmática.

Por se tratar de um ensaio teórico, a metodologia empregada pode ser compreendida como Desk Research. Buscou-se avaliar e articular os diversos trabalhos que discutiam as temáticas envolvendo paradigmas das ciências sociais, epistemologia e questões afins.

Há uma série de recomendações para prática de estudos qualitativos. São elas: triangulação, manutenção da lógica indutiva, reflexibilidade do pesquisador, participação de mais de um pesquisador, confirmação com informantes chave, flexibilidade para sofrer ajustes ao longo de sua execução, uso de técnicas consolidadas de coleta e análise de dados, exposição dos processos e corpus de pesquisa e a confrontação entre os achados da pesquisa e as teorias existentes.

Na esteira das propostas que defendem o empoderamento do pesquisador, verifica-se que a visão pós-moderna da ciência e dos meios de obtenção de conhecimento abre um leque de possibilidades para que o pesquisador possa definir a perspectiva epistemológica da investigação, amparado em pontos intermediários e não somente nos extremos das abordagens subjetivas ou objetivas nas ciências sociais. Para tal, é sine qua non que a comunidade acadêmica esteja familiarizada com a discussão epistemológica.

BURRELLL, Gibson; MORGAN, Gareth. Social paradigms and organizational analysis: Elements of the sociology of corporate life. 1979. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975. LANGLEY, Ann. Strategies for theorizing from process data. Academy of Management review, v. 24, n. 4, p. 691-710, 1999. RUDDIN, Lee Peter. You can generalize stupid! Social scientists, Bent Flyvbjerg, and case study methodology. Qualitative Inquiry, v. 12, n. 4, p. 797-812, 2006.