Resumo

Em sua busca por perpetuação como sistema dominante, o capitalismo atravessa os momentos históricos produzindo significativas transformações estruturais e ideológicas que estruturam a organização da vida em sociedade (Boltanski & Chiapello, 2009)⁠. Sob a contingência histórica da pandemia da Covid-19, o capitalismo globalizado passou por mutações para adaptar-se ao novo contexto, incorporando novas dinâmicas ao seu funcionamento.

Na iminência desse “admirável mundo novo” do trabalho, onde estratégias de resposta à pandemia se consolidaram como boas práticas das empresas, suscitam-se questionamentos sobre esta herança pandêmica, em especial, a deixada à esfera do trabalho na modalidade do home-office, na medida em que se configura como potencial modelo de trabalho para o mundo pós-pandemia. O objetivo deste ensaio foi discutir, a partir de categorias foucaultianas, a modalidade de home-office enquanto desdobramento do período pandêmico.

Este ensaio possui, como recorte teórico, os estudos organizacionais e discussões relacionadas à dinâmica de trabalho. O estudo tomou como arcabouço teórico a obra foucaltiana e autores que expandem sua obra, como Deleuze e Agamben, contextualizando em um primeiro momento a formação das sociedades disciplinar e de controle. Em seguida, discutiu-se a pandemia e a implementação do home-office, analisado como dispositivo biopolítico e finalmente, abordou-se os dispositivos de controle e subjetivação que possivelmente serão herdadas deste regime.

O capitalismo atravessou mais um momento histórico significativo e se adaptou reconfigurando dispositivos e estratégias para preservar as formas de e acúmulo. O período pandêmico, combatido por meio de estratégias biopolíticas como o home-office, evidencia dispositivos disciplinares e de controle sobrepostos, pavimentando os caminhos para novos e sutis esquemas de poder. Com sua característica atomizante, o home-office potencializaria o individualismo, elevando-a para uma dimensão extrema, redefinindo a forma como laços de coletividade e resistência são estruturados.

Postula-se que a pandemia foi um catalisador para o fortalecimento do home-office como potencial modelo de trabalho futuro. Contudo, não se propôs uma oposição categórica ao modelo em si, mas buscou-se compreendê-lo dialeticamente. Diversos questionamentos tornam-se necessários, tais como: Os benefícios do home-office foram possíveis sem o reforço de outras relações de poder e dominação? Que projetos políticos, as subjetividades geradas neste contexto viabilizam? Cabe a reflexão do que este mesmo dispositivo subsidiará em termos de possibilidades emancipatórias para os indivíduos.

Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia - Revista de Pós-Graduação Em Literatura, 5, 9–16. Boltanski, L., & Chiapello, È. (2009). O novo espírito do capitalismo. Martins Fontes. Deleuze, G. (1992). Post-Scriptum. In Conversações (1o, pp. 219–226). Ed. 34. Foucault, M. (2008). Nascimento da Biopolitica; (1a Edição). Martins Fontes. Foucault, M. (2014). Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão (R. Ramalhete (Ed.); 42a). Vozes. Hafermalz, E. (2021). Out of the Panopticon and into Exile: Visibility and control in distributed new culture organizations. Organization Studies