1 - Silvia Pereira de Castro Casa Nova UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP) - Faculdade de Economia Administração e Contabilidade
Reumo
O interesse sobre o tema de gênero, incomum para alguns em uma escola de negócios, nasce de uma provocação, pois durante muito tempo, antes que eu mesma me convencesse disso, um querido colega e amigo me dizia: “Você é a pessoa para pesquisar esse assunto!” E por que eu resistia? Ora, essa é uma longa história, que pretendo contar nesse relato. E por isso prometo um relato um tanto incomum. Incomum pois acredito que, depois de pedir a tantas mulheres para exporem e falarem de suas experiências em tantas pesquisas e trabalhos que tenho desenvolvido depois dessa provocação.
Deixo claro ainda e desde já que tenho feito parte do problema que me propus a analisar. E isso pode para algumas pessoas ser entendido como um viés para a pesquisa que tenho desenvolvido. E até por isso eu me sinto na obrigação de explicitá-lo. Mas apresento-o, na verdade e em meu entendimento, como a lente através da qual tenho examinado a questão. No entanto, sua relevância vem ademais de nos permitir contar a nossa história com a nossa própria voz, de não deixar que ela seja contada por outras pessoas, “a comunicar a sua própria visão de mundo” (Blay, 2004).
Os relatos, histórias orais e registros autobiográficos ainda são raros na literatura em contabilidade e em negócios no Brasil. Apesar de estarem presentes no exterior, especialmente em áreas em que são importantes para revelar as experiências de grupos não-hegemônicos (Haynes, 2006, 2010; Dambrin & Lambert, 2012) e para refletir sobre experiências pessoas em tempo de crise (Clavijo, 2020), no país, enfrentam ainda certa desconfiança, advinda do crescimento ainda muito recente de pesquisas qualitativas, em outras abordagens, tais como a interpretativa e a crítica.
Esse relato, contado em primeira pessoa, é uma experiência de se apropriar da própria história, para impedir que outros a contem por você. Olhando para a experiência acumulada como elemento de contraste com as outras trajetórias, acho que os fatos e atos principais estão contemplados. São recuperados e registrados alguns dos episódios que constituíram a minha trajetória acadêmica, familiar e pessoal.
No transcorrer dessa trajetória houve a oportunidade de participar de um primeiro concurso para Professora Titular. Aqui há que se fazer uma pausa e respirar fundo. Primeiro para dar conta de que essa é a primeira situação na carreira em que colegas competem por um mesmo cargo. Segundo para pontuar que os outros três colegas concorrendo ao cargo eram homens, como não podia deixar de ser, e todos com muito menos tempo de casa que eu. Tinha 25 anos no departamento, na Faculdade e na Universidade. Terceiro para colocar que havia apenas uma mulher na banca do concurso.
Nessa fase da carreira, embalada por parcerias longevas e por redes de solidariedade, pretendo, mais do que tudo, sulear ações e buscar possibilidades de abrir caminhos e ampliar vias de acesso, nessa nossa missão de identificar, nutrir e fazer florescer talentos humanos. Quero ainda deixar uma mensagem, considerando minha vivência e as histórias compartilhadas pelas estudantes, líderes e professoras que entrevistei e sigo entrevistando, somadas agora a essas mulheres empreendedoras, de diversas áreas, setores e regiões do mundo.
Blay, E. A. (2004). Mulheres na USP: horizontes que se abrem. Editora Humanitas.
Clavijo, N. (2020). Reflecting upon vulnerable and dependent bodies during the COVID‐19 crisis. Gender, Work & Organization, 27(5), 700-704.
Dambrin, C., & Lambert, C. (2012). Who is she and who are we? A reflexive journey in research into the rarity of women in the highest ranks of accountancy. Critical Perspectives on Accounting, 23(1), 1-16.
Haynes, K. (2006). Linking narrative and identity construction: using autobiography in accounting research. Critical perspectives on accounting, 17(4), 399-418.