Resumo

Durante muito tempo, os redutos trabalho e família foram considerados separados. Buscava-se evitar influências de uma esfera sobre a outra sob a alegação de prejuízo para a carreira. Neste contexto, o homem era o grande provedor da família. Desde 1950, este modelo tradicional de família tem se reconfigurado de modo que homens e mulheres passaram a estar presentes no mercado de trabalho. Neste cenário surge a “dual career family”, definido como famílias em que marido e esposa perseguem carreira e, ao mesmo tempo, estabelecem vida familiar com pelo menos uma criança (RAPOPORT; RAPOPORT, 1969).

O objetivo deste ensaio é discutir os pressupostos do fenômeno dual career family de modo a sugerir uma ampliação da lente de análise. Investigações anteriores apontaram dificuldades na operacionalização do conceito e algumas limitações derivadas da abordagem inicial (HUGHES, 2013). O caráter crítico advém da exposição das fraquezas que o fenômeno enfrenta atualmente e, ao mesmo tempo, oferecer uma atrativa agenda de pesquisa para permitir novos desenvolvimentos. A discussão sobre a terminologia também se faz necessária, visto a recorrente divergência entre os autores.

O conceito dual career family favorece um tipo específico de configuração familiar. Houve interesse em estudar famílias em que marido e esposa perseguiam carreira, aqui entendida como trabalho com orientação para o desenvolvimento profissional com alto grau de engajamento (RAPOPORT; RAPOPORT, 1971). A dual career se tornaria um grupo seleto de família. Os estudos têm enfatizado quatro dimensões: carreira e trabalho, família e gênero, organizações e cultura, com predominância de pesquisa quantitativa. A limitação conceitual da área suscita discussões para uma ampliação da lente de análise.

A dimensão trabalho e carreira destaca a necessidade de reconfigurar o conceito dual career para um entendimento de carreira mais abrangente e inclusivo. Na dimensão gênero e família deve-se considerar diferentes configurações familiares, como famílias com indivíduos homossexuais ou casais que não são casados, mas vivem juntos. Quanto à dimensão organizacional, requer-se compreender como os gestores encaram o fenômeno. Por fim, a dimensão cultural surge com o interesse de explorar a dual career em diferentes países, embora precisem ir além do caráter reprodutivo da literatura.

Revisitando as quatro dimensões identificadas a partir da literatura, buscou-se evidenciar as principais discussões e oferecer oportunidades de aprofundamento e ampliação das questões retratadas. Assim, diante daquilo que se condiciona chamar dual career e de suas decorrências, a contribuição deste ensaio se apoia na compreensão de que uma necessidade de recontextualizar tal conceito, de modo que carreira e família sejam compreendidas de modo mais ampliado, evidenciando a sinergia com as organizações e sua sensibilidade aos aspectos culturais.

HUGHES, J. L. Persisting problems with operationalizing dualcareer couples: A proposal to use the term dual-income couples. Marriage & Family Review, v. 49, n. 8, pp. 694-716, 2013. RAPOPORT, R.; RAPOPORT, R. N. The dual career family: a variant pattern and social change. Human Relations, v. 22, n. 1, pp. 3-30, 1969. RAPOPORT, R.; RAPOPORT, R. N. Further considerations on the dual career family. Human Relations, v. 24, n. 6, 1971.