Resumo

Estudos recentes, entre eles o realizado por Leitão e Domenico (2015) em uma empresa chamada CMA, que possui uma proposta diferenciada de gestão, mostram a existência de fundadores de empresas com fins lucrativos que consideram o lucro como consequência do respeito aos seus stakeholders. Entendemos ser relevante estudar a mudança organizacional ou vir-a-ser desse tipo de empresa, para verificar se elas mantêm essa proposta de gestão ao longo do tempo e como isso ocorre (ou não).

Este estudo, de cunho longitudinal, buscou responder a questão: quais valores relativos à competição organizacional – VRCO, que subjazem as interações entre stakeholders, foram mantidos, ressignificados ou descontinuados na CMA, de 2013 até 2015? Este artigo visou analisar o vir-a-ser da empresa nesse período, porém, de modo comparativo com os trabalhos anteriormente realizados na CMA, mediante a análise dos VRCO e suas relações com as visões de mundo empresarial dos responsáveis pela empresa.

Nesta pesquisa, a mudança é analisada sob a ótica contínua e a partir de valores construídos nas interações entre agentes. Sob essa perspectiva, o foco está no processo de vir-a-ser organizacional, que emerge ao longo do tempo das ações cotidianas de atores que interagem frente às contingências diárias, ao retecerem suas redes de crenças e hábitos de ação (TSOUKAS; CHIA, 2002), entendidas aqui, respectivamente, enquanto valores relativos à competição organizacional e práticas organizacionais.

Para o desenvolvimento desta pesquisa, um estudo de caso qualitativo, os materiais discursivos foram obtidos mediante 22 entrevistas semiestruturadas em profundidade realizadas com 13 stakeholders internos da CMA. Como fontes de dados também foram empregadas observações não participante, conversas espontâneas e documentos. Recorremos à análise temática (BRAUN; CLARKE, 2006) para apreender os VRCO, a partir das práticas narradas. Complementarmente, lançamos mão de princípios da hermenêutica.

Como resultado da análise foi possível apreender três novos VRCO, identificar a ressignificação de outros (“primazia do ser humano”, “participação coletiva”) e o abandono do VRCO “compromisso com o fundador”, assim como observar a estabilidade de alguns valores. Contudo, os VRCO apreendidos ficaram subordinados ao valor “compromisso com o resultado”, para o que contribuiu a mudança da visão de mundo empresarial como deveria ser, que deixou de se opor à visão de mundo empresarial como ele é.

Notamos na CMA uma substituição de discursos com foco no desenvolvimento humano, por outros que refletem o pensamento dos stakeholders no poder. Ademais, notamos que os VRCO apreendidos estão contribuindo para o alcance de resultados financeiros, até porque passou a existir mais cobrança por resultados. Portanto, frisamos que não é apenas a construção, ressignificação ou o abandono de VRCO que devem ser analisados, mas também as relações entre eles e o que contam sobre o vir-a-ser da empresa.

BRAUN, V.; CLARKE, V. Using thematic analysis in psychology. Qualitative research in psychology, v.3, n.2, 2006. LEITÃO, S. S.; DOMENICO, S. M. R. Looking at organizational change through the construction and reconstruction of the underpinning values of the organization through interactions among stakeholders. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, v.17, n.55, 2015. TSOUKAS, H.; CHIA, R. On organizational becoming: rethinking organizational change. Organization Science, v.13, n.5, 2002.