Resumo

O consumidor de cafés especiais se mostra exigente, preocupado com a sustentabilidade e interessado em conhecimento aprofundado acerca do produto e das relações sociais em seu entorno. Tal conhecimento é essencial para aqueles que planejam iniciar seu próprio negócio nesse mercado ou desejem transforma-lo, o que demanda uma aprendizagem transformadora. As cafeterias são locais propícios para estímulo dessa aprendizagem, por contarem com profissionais experientes e constituírem importante fonte de disseminação de conhecimentos acerca do produto, por meio de ações de educação formal ou informal.

Objetiva-se compreender as ações de “educação do consumidor” de cafés especiais, desenvolvidas por cafeterias brasileiras, baseadas no conceito de aprendizagem transformadora. Pretende-se identificar se tais ações se concentram apenas na transmissão de conceitos técnicos ligados à qualidade do produto ou se visam ao questionamento da organização da cadeia produtiva e do relacionamento entre seus atores, bem como ao estímulo da corresponsabilidade dos consumidores na promoção da sustentabilidade da atividade. Até o momento, tal abordagem permanece inexplorada na literatura científica.

Esse estudo baseia-se no conceito de foodies (conforme conceituados por Josée Johnston e Shyon Baumann), essencial para compreensão do consumidor de cafés especiais, e de aprendizagem transformadora (baseada essencialmente nos trabalhos de Paulo Freire e Jack Mezirow), aqui aplicado às ações formais e informais de “educação do consumidor” por cafeterias brasileiras especializadas.

Trata-se de pesquisa qualitativa e exploratória, ancorada nos pressupostos ontológicos e epistemológicos do paradigma interpretativista. Conduziram-se estudos de caso múltiplos com seis cafeterias brasileiras, selecionadas por sua ampla oferta de cursos e destaque nesse mercado. Realizaram-se entrevistas semiestruturadas em profundidade com os proprietários e/ou instrutores dos cursos ofertados por elas. Utilizaram-se, também, como dados secundários, informações fornecidas em seus websites e redes sociais. As informações foram interpretadas por meio de análise de conteúdo qualitativa.

Observaram-se diferentes posturas em relação à educação formal e informal dos consumidores, sendo pouco frequente a formação docente dos proprietários ou tutores dos cursos oferecidos. Nota-se maior preocupação com a transmissão de conceitos técnicos ligados à produção, torra e extração do produto, que ao questionamento da organização da cadeia produtiva e do relacionamento entre seus atores ou ao estímulo à corresponsabilidade dos consumidores na promoção da sustentabilidade da atividade.

É necessário maior enfoque cultural e relacional, até então restrito por limitações de tempo ou receio de que a discussão não seja bem recebida. O maior esforço se deu em cafeteria proprietária de fazenda produtora. Questiona-se, portanto, quais questões estarão os empresários dispostos a abordar caso não se beneficiem diretamente. Os valores da Terceira Onda do Café parecem ser adotados pelas cafeterias, mas sendo limitados pela lógica do mercado de cafés commodity. A valorização dos cafés especiais pode estimular a reestruturação das ações educacionais visando a aprendizagem transformadora.

Freire, P. (1987). Pedagogia do Oprimido. (17th ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra. Freire, P. (2002). Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários à Prática Educativa. (25th ed.). São Paulo: Paz e Terra. Johnston, J. & Baumann, S. (2015). Foodies: Democracy and Distinction in The Gourmet Foodscape. (2nd. ed). New York: Routledge. Mezirow, J. (1997). Transformative Learning: Theory to Practice. New Directions for Adult And Continuing Education, 1997(74), pp. 5-12. doi: 10.1002/ace.7401.